terça-feira, 1 de maio de 2007

Cidade da Arte e da Cultura




"Montes Claros tem umas coisasque as outras terras não têm".(Canto da marujada)

Por exemplo, é a única cidade do interior de Minas Gerais que temconsulado. Esse Coração Robusto do Sertão tem história. Dizem que, naalvorada do século 18, o bandeirante baiano António Gonçalves Figueirarecebeu do donatário da capitania hereditária de Porto Seguro a carta desesmaria da Fazenda Montes Claros, para nela semear e pastorear. A vastapossessão abrangia tudo que a vista alcança, entre as serranias claras quecompõem nosso horizonte. Encravado dentro do latifúndio, fundaram,primeiro,o povoado de Cruzeiro, que se localizava nas proximidades do local ondehoje está o clube campestre Lagoa da Barra. Desgraçadamente, uma epidemia devaríola forçou o êxodo dos cruzeirenses para um outro ponto da sesmaria, amargem de um córrego piscoso. de água potável, com um céu azul clarodemasiadamente bonito, que ainda chama a atenção dos recém-chegados àcidade. (Não se sabe por que, o montes-clarense parece ainda não terpercebido a beleza do céu de sua cidade. Os passageiros de aviões quefazem escala, no aeroporto local, ficam encantados com o colorido de pinturarenascentista do nosso céu particular).Pois muito bem, o novo povoado foi batizado com o piedoso topônimo deArraial das Formigas de Nossa Senhora da Conceição e São José. Consta quedescobriram ouro, na vizinhança, e houve até uma corrida desabalada aosveios do precioso metal. Por ocasião da emancipaçãopolítico-administrativa, em 13 de outubro de 1831, data da criação do município, o topônimo foialterado para Vila de Montes Claros. Em 3 de julho de 1857, a sedemunicipal foi elevada de vila aos foros de cidade. Houve manifestações de júbilopopular, seguidas de latinório em sessão solene da vereação, missagratulatóría, baile a rigor, noite de luminárias e o indispensávelfoguetório.
ONTEM
Vida que segue, a cidadezinha foi prosperando, mandou voluntários para a Guerra do Paraguai, elegeu deputados, apareceram os primeiros letrados, instalou a escola normal sem buscar professores fora e ganhou o primeirojornal, "Correio do Norte", em 1884. De repente, deu-se um acontecimento muito importante: no início do século 20. chegaram, da Bélgica, os cônegos premonstratenses, de batina branca, com a missão de propagar a fé católicae instruir a juventude. Fundaram mais um colégio, mais um jornal, um grêmiodramático e até um modesto observatório astronômico. Inaugurou-se, napacata cidade sertaneja, uma nova era espiritual.
Foi ai que Montes Claros resplandeceu em noites e dias luminosos. Aurbes interiorana foi convertida em cidade grega do Século de Péricles, superlotada de atores, cantores, instrumentistas, menestréis, jornalistas.Um dos discípulos dos padres brancos, João Chaves, o bardo que cantavapras estrelas, compôs a modinha "Amo-te muito", que ostenta a glória de serconsiderada o hino nacional da seresta brasileira. Nem só de saraus, flauta e violão vivia o montes-clarense romântico e boêmio do passado. Nesseínterim, o jurista Gonçalves Chaves governou a província e redigiu o livrode Direito de Família, do Código Civil Brasileiro. Ruy Barbosa, que foi orio cheio de nossas letras jurídicas, colocava-se entre seus maiores admiradores e o chamava, afetuosamente, de "meu mestre de Direito Constitucional". Sua terra mãe deu seu nome à praça da Matriz, ao Fórum eà escola primária mais antiga da cidade, em homenagem tríplice e merecida.
Em 1926, o apito do trem de ferro, trazido pelo norte-mineiro FranciscoSá, ministro da Viação, registrou nosso ingresso na era da tecnologia.
Vinte anos depois, o prolongamento dos trilhos rumo à Bahia e ao Nordeste colocou a Princesa do Sertão na corrida para o desenvolvimento econômico e social.
Em 6 de fevereiro de 1930, em meio a tiros e correria, a cidade ganhou asmanchetes da imprensa mundial. Sucedeu um sangrento conflito entre facções políticas rivais, e Dona Tiburtina, esposa do deputado João Alves, que seopunha ao deputado Camilo Prates, foi mitificada como mulher corajosa epersonagem da História do Brasil. Na década de 1960, chegou a fase douradada expansão econômica planejada e financiada pela Sudene, originada deemenda do deputado José Esteves Rodrigues, que criou parques industriais emodernizou a exploração da economia rural. Iniciou-se, então, a atual fasede modernização da cidade, marcada pela gestão histórica do prefeito António Lafetá Rebello, que sacudiu o marasmo administrativo e introduziu acidade, definitivamente, na era do planejamento urbano e do asfalto para toda acomunidade.
HOJE
Montes Claros 2000 é isto: a quinta cidade de Minas Gerais, em populaçãourbana, com cerca de 300.000 habitantes; a sexta, em colégio eleitoral,com mais de 180.000 eleitores; e a oitava em arrecadação de impostos.Localiza-se, aqui, o segundo entroncamento do plano rodoviário nacional.
(O primeiro fica em Picos, no Piauí). Produz tecidos, cimento, medicamentos,laticínios, cerâmica bovinos, sumos, aves e gêneros do País. Implantapontes de safena, transplanta rins e reconstrói maxilares. O mercado secundáriode comercio e serviços apresenta um quadro de vitalidade crescente. Circulam,diariamente, três jornais. Operam dois canais de televisão e inúmerasemissoras de rádio. A cidade é muito bem servida de associações esportivase recreativas. Constrói-se como nunca antes se construiu, por estas bandas.
Mui felizmente, por estas plagas nortistas, o progresso intelectual andade mãos dadas com o progresso material. A Universidade Estadual de MontesClaros - Unimontes - é uma universidade de integração regional e vemcumpnndo seu papel com brilhante desempenho, no ensino acadêmico e napesquisa. E o Conservatório Lorenzo Fernandez, que foi fundado pelabenemérita Marina Lorenzo Fernandez Silva, filha do ilustre patrono, já éuma referência nacional como estabelecimento especializado em educaçãomusical. Nossa cidade agro-industrial também exporta cultura. Quando acompanhia do Banzé exibe o canto e a dança de nosso povo para as platéiasde além-mar. e a nossa produção cultural que está sendo vendida, no comércioexterior, como artigo de luxo. Essa exportação cultural também ocorre natradução para outros idiomas das obras literárias de Darcy Ribeiro. ManoelHygino dos Santos e C\TO dos Anjos, ou na gravação, em estúdios europeus,dos valseados que saíam da rabeca de Zé Coco do Riachão. Nossa pintoraYara Tupinambá ornamenta, com seus murais inspirados na paz mundial, oedifïcio-sede das Nações Unidas, em Nova York. Beto Guedes, expoente daMPB, tem sua canção divulgada muito além de nossas fronteiras. Nesse mesmoquilate, há, ainda, artistas de escol que ficaram por aqui mesmo,agarrados a gleba, como é o caso de Konstantin Christoff e Samuel Figueira, queseguiram o exemplo de sedentarismo do mestre Godofredo Guedes, damusicista Dulce Sarmento, e permaneceram com a gente, entre amigos e a paixão pelaArte. A súbita interrupção da vida e da carreira do jovem pintor RaymundoColares, premiado na Bienal de Veneza, foi uma perda irreparável para onosso patrimônio artístico e cultural. Este rol sena ainda mais incompletose deixasse de citar a obra do folclorista Téo Azevedo e recordar ovirtuosismo do cantador Zezinho da Viola, que maravilhava o povo, nasfeiras de sábado, ponteando a viola de Queluz de cinco bocas.
Esse Norte imenso..."O Norte quente, pastoril e áspero na intratabilidade dacaatinga". (Guimarães Rosa - Ave, Palavra) - Outras importantes cidades daregião também exportam produção e talento. Ora, a carnavalesca Pirapora,que é pólo têxtil e siderúrgico, é o berço de Francisco Iglésias, um dosmaiores historiadores brasileiros deste século, e do coreógrafo Marku Ribas.Januária, a flor agreste da chapada, de forte vocação turística, e a terraamada dos romancistas Manoel Ambrósio e José António de Souza, dodramaturgo Alcione Araújo e do maestro Benito Juarez. Cada cidade de nossa região temo seu orgulho municipal. A Imperial Cidade de Grão-Mogol exalta seus aresbalsâmicos e a aquarela do casario colonial. Os barranqueiros de SãoFrancisco, a Cidade-Crepúsculo. falam maravilhas de suas praias de areiafofa. O brasilminense. tradicionalista, se ufana do passado da antiga Vilade Contendas, de conterrâneos como Doutor Santos. Zino Oliva, e da modelarorganização administrativa e comunitária de sua cidade. O Norte tem suaestância de águas termais, em Montezuma, muito procurada para tratamentode moléstias da pele. Porteirinha. terra do saudoso Doutor Binha, que já foiCapital Mineira do Algodão e vem demonstrando vitalidade econômica,oferece aos amantes da Natureza o cenário paradisíaco da cachoeira do Cerrado, queé o cartào-postal da microrregião Serra Geral de Minas. Janaúba, cidadeadolescente e em processo acelerado de desenvolvimento, possui um pequenomar mediterrâneo, a represa do Bico da Pedra, muito adequada pararecreação, esportes náuticos e pesca. Salinas, de terras férteis para o plantio dacana-de-açúcar, coroou-se Capital Mundial da Cachaça, mercê da excelênciada pinga destilada em seus alambiques e envelhecida em domas de umburana.
Espinosa deu ao Brasil um grande jornalista e historiador, Antonino daSilva Neves, e o bispo Dom Lúcio Antunes. Brejo das Almas ou Francisco Sá é umlugar de paz e carrega o epíteto de Capital Nacional do Alho. "Brejeirogosta muito de festa", vangloria-se o ex-prefeito e anfitrião Zeca de DeusPrado, que faz as honras da casa. Bocaiúva, que cresce na pujança de seudistrito industrial, adora o Senhor do Bonfim e cultua a memória de seusmais ilustres rebentos: Herbert de Souza (Betinho). O irmão de Henfil, daluta contra a fome; e José Maria de Alkmim, que chegou a Vice-Presidenteda República. Em Manga, cujo nome evoca o aroma e o sabor da manga-rosamadura, ainda se aspira, na lembrança, o perfume do último soneto do pernambucanoAnfrisio Gonzaga Lima, que amou aquelas barrancas. Coração de Jesus é umnome santíssimo, sacratíssimo, que dispensa outras palavras, a não seremde louvores e graças pela cidade corjesuense e sua gente devota. A cidadehistórica de Rio Pardo de Minas foi a musa inspiradora do erudito cônegoNewton d'Angelis, que deixou uma ela monografia de quatro volumes, seucanto de amor pela terra natal. Lá, num capão de mato, nasce um no de verdade, oPardo, baianeiro, que viaja mansamente pelos gerais de Minas, com asimplicidade de um bom mineiro; atravessa a Bahia, encorpa e, ao final dajornada deságua, baianamente, na vastidão do Oceano Atlântico.
Há uma expectativa de sucesso com relação ao pólo de fruticulturairrigada, nos projetos Pirapora, Gorutuba e Jaíba. Aguardam-se dias defartura e riqueza, com a perspectiva de mais de 100.000 hectares irrigadosproduzindo alimentos para todo o Brasil e para o exterior. Se tudo dercerto, e o governo apoiar, o Norte de Minas se transformara numa novaCanaã, a terra bíblica da promissão. A indústria do turismo. futuramente, tambémdevera figurar nos planos de nosso empresariado de visão.
A poesia é necessáriaMontes Claros é o resumo do Norte, funcionando como cidade-dique daregião e sua capital de fato, que canaliza tanto benefícios como problemassociais.Esta é também a cidade amena e saudosista do folclore, da carne de sol, daFesta Nacional do Pequi, do Psiu Poético, dos madrigais de YvonneSilveira, do eixo etílico-filosófico do Café Galo, Cristal e redondezas, dos tipospopulares, de Alá-lá-ô, do galante Mane Quatrocentos, da boneca de Leonele do seu dono, de quem se contam passagens deliciosas. Esta é a cidadeinocente e angélica das coroações de Nossa Senhora, das folias de Reis,dos folguedos juninos; e é a mesma cidade afro-luso-brasileira da festa deagosto, dos catopês de mestre Zanza, dos caboclinhos e da marujada deMiguel Sapateiro, que canta a epopéia da barca nova que do céu caiu no mar.
Anote: o "defeito" grave do montes-clarense é o bairrismo, chamado de jucapraüsmopelo escritor Marques Rebello, da Academia Brasileira de Letras, que, em1940, se impressionou com o amor exacerbado do Sr. Jucá Prates por seutorrão natal. Essa paixão desmedida teve muitos adeptos. Por exemplo, oacadêmico João Valle Maurício, os historiadores Hermes de Paula e Simeão Ribeiro Pires, os jornalistas Lazinho Pimenta e Jair Oliveira o rotariano João Souto, o poeta Cândido Canela e os espirituosos Zé Amorim e seu pai. Pedro Montes Claros, foram jucapratistas empedernidos. O inesquecívelprefeito Mário Ribeiro - esse era radical - costumava dizer que, para ele,só duas cidades serviam para morar: Montes Claros e Paris. Realmente, ojucapratismo era uma seita de fanáticos. Um dos sectários, o ex-atletaJoão (Zinho Bolão) da Silva Prates não admite viver em outra cidade nem emsonho.
Viajar, só em caso de extrema necessidade. Não suporta a saudade daterrinha. Férias, nada melhor que o lar para goza-las. Dizem que, quandosai com a família, para algum sitio ou clube campestre, fica mais alegre navolta do que na ida. É incrível, mas é fato verídico e sabido. Conta-seque o cronista Newton Prates, do "Diário Carioca", no Rio de Janeiro, sempreque inquirido sobre sua naturalidade, respondia, de peito estufado: "Sou deMontes Claros, modéstia a parte"
HAROLDO LIVIO* (O autor figura na Enciclopédia de Literatura Brasileira da AcademiaBrasileira de Letras, edição de 2001)

Um comentário:

Anônimo disse...

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